quarta-feira, 22 de maio de 2019

Estarão os velhos Jornais condenados? Uma crónica enviesada

A manhã começa fria… Uma daquelas manhãs típicas na cidade do Porto em que o nevoeiro consegue acentuar ainda mais a beleza da cidade Invicta. A tal “cascata são-joanina, erigida sobre um monte, no meio da neblina” nas palavras de Carlos Tê, celebrizadas pela voz de Rui Veloso. Essa mesma neblina, companheira matinal tão típica dos Portuenses.
Com ela um outro hábito. Folhear mal o sol começa a raiar e a dissipar a névoa o “Notícias”. Assim chamado carinhosamente pelos locais por ser esta a sua origem, ali mesmo no seu emblemático edifício na Rua Gonçalo Cristóvão.

O JN é o único jornal generalista resistente na cidade. O tempo viu publicações emblemáticas e históricas como o Comércio do Porto ou o Primeiro de Janeiro extinguirem-se, deixando uma grande saudade. A isso se juntou uma crescente actividade centralista, responsável pelo esvaziamento do restante país nos seus mais diversos âmbitos. Recorde-se que o Público nasceu no Porto, mas hoje tem a sua sede em Lisboa. Como ele tantas outras empresas. Mas este não é um texto sobre centralismo. Fora assim, e talvez os caracteres disponíveis não fossem suficientes…
É sim uma visão acerca de qual o futuro dos jornais em formato de papel. Que lhes reserva o futuro? O que pode esperar o Jornal de Notícias, companheiro matinal não só dos Tripeiros mas de milhares de Portugueses espalhados por todo o país?

As perspectivas estão longe de ser as melhores… O JN integra-se no grupo Global Notícias, proprietário de outras publicações como o Diário de Notícias ou o desportivo O Jogo. E foi justamente o DN o primeiro a sofrer grandes alterações. Há muito as suas vendas deixaram de corresponder à sua bela história, a par com o nosso país desde o século XIX. Como tal viu a sua realidade a mudar, passando a ser um diário digital com edição impressa ao fim-de-semana.
Para um ávido leitor de jornais como eu, confesso que foi um choque tomar conhecimento dessa realidade… Um choque, mas não uma surpresa. Os hábitos de leitura de notícias mudaram com a chegada e proliferação da Internet. Com isso, e com tanta informação gratuita à disposição, os jornais foram caindo em desuso e as suas fontes de financiamento começaram a decrescer.

Mas não foram apenas os hábitos informativos a mudar. Outrora, há não muito tempo atrás, qualquer pessoa que estivesse interessada em vender algo utilizava para isso os classificados dos Jornais. Aconselho a que os vejam no dia de hoje. Não são mais do que meras sombras caricaturais do passado, ultrapassadas pelos OLX e Custos Justos da era actual.
Os anunciantes também abandonaram os Jornais, estando mais interessados em pagar a redes sociais que nos bombardeiam com anúncios a cada instante.
É como se o cheiro a papel tão próprio dos Jornais estivesse em vias de extinção, sucumbindo às novas tecnologias.

Tentando ser o mais imparcial, confesso que não creio que eles desapareçam.
Vejo-os a alterarem formatos, a mudar a forma de actuar e de se financiarem. A estarem presentes na rede, também eles. Não a cessarem porém.
Há uns anos assisti a uma conferência de um Professor e Investigador Galego da Universidade de Santiago de Compostela, o Professor Francisco Campos Freire, na qual dizia que os Jornais viveriam sobretudo como publicações locais, de proximidade em que a sua principal mais valia seria a página da necrologia.
Desejo que não seja apenas isso. Pela sua história, pelo seu valor cultural. Pelas memórias que nos trazem, mas principalmente pela importância de fazer bom jornalismo, de informar bem as pessoas. Fazê-lo é sinónimo de um país livre em que não existam influências nem manipulações. E isso é o que todos desejámos.

Quanto a mim, continuarei a ler Jornais. Não apenas pelo gosto mas por algo que se assemelha a um dever moral, financiar o bom jornalismo. Ainda assim algo mudou nos meus hábitos… É que mal acordo, ainda antes de ir à papelaria mais próxima, vejo na minha aplicação quais as capas do dia. Sinais dos tempos…

3 comentários:

  1. Acho que os jornais cada vez mais serão de nicho e gratuitos

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  2. Para a mim, a única lembrança que tem com um jornal de papel é o jornal regional que os meus pais subscrevem. O jornal estar disposto em cima da mesa e ler a primeira página, raramente abri o jornal para ler o que estava no seu interior, o telemóvel e o seu vibrar constante distrai qualquer um para si. O facto de podermos abrir o feed do Facebook em vez do jornal, quase que o torna substituível, pelo menos para mim que nunca tive relação sentimental com estes.
    Todos os jornais estão dispostos on-line e bastante presentes nas redes sociais, sigo bastantes jornais nas redes sociais, o que permite que receba notícias de última hora de vários jornais e não me bastar a ler um ou uma notícia sobre o mesmo assunto. Concluindo, para mim os jornais vão persistir em termos eletrónicos mas em termos de papel vai ser apenas para manter a tradição.

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  3. Tema e texto muito interessantes!
    Concordo com que o paradigma da comunicação está ainda em mudança e que não podemos assumir que será exactamente igual no futuro àquilo que vivemos hoje.
    De facto, os jornais vêm-se, hoje em dia, em dificuldades em concorrer com os novos media e em financiar-se, no entanto penso que não irão extinguir-se enquanto tal, dando-se apenas um recolocação no mercado.
    Efectivamente, é chocante ver empresas que vêm sendo preponderantes há longos anos no panorâma nacional a caírem ou a descaracterizarem-se profundamente, todavia, tal como não assistimos ao fim dos livros nem das rádios, penso que não assistiremos ao fim do jornais
    Gostaria ainda de acrescentar, quanto aos demais comentários que não é evidente que o modelo gratuito seja o futuro, veja-se o exemplo da revista britânica especializada em música New Musical Express (NME) que não resistiu e se viu inevitavelmente relegada apenas para os meios digitais, onde é ultrapassada por outras publicações (como a Gigwise, entre outras). Quanto à possibilidade do Facebook ser um substituto perfeito dos jornais, penso que é uma visão que não considera a realidade como um todo, dado que, na Internet, a quantidade de informação nem sempre é sinónimo de qualidade e, mesmo quem não sente ligação emocional à imprensa tradicional, pode olhar para ela e vê-la como um meio menos susceptível da proliferação de notícias falsas e de desinformação, em geral.
    Assim, concordo com a opinião reflectida por este texto, que mostra uma visão que considera a sociedade como um todo, não dando uma opinião fundada em visões minimalistas ou emocionais da realidade da comunicação, nos dias de hoje.

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