sexta-feira, 14 de abril de 2017

United Airlines – o poder de social media

O recente escândalo em torno da United Airlines mostra como uma situação, já de si grave, pode ser piorada por uma resposta inadequada, lenta ou até plenamente inapropriada por parte da empresa visada.

Num voo da United Airlines, que tinha como local de partida o aeroporto O’Hare International em Chicago e como destino Louisville, no estado do Kentucky, a companhia viu-se na necessidade pedir a passageiros que já se encontravam a bordo que cedessem o lugar a quatro empregados da empresa que precisavam de chegar a Louisville naquele dia.

É importante dizer que “overbooking”, a venda de mais bilhetes do que lugares disponíveis no avião, é uma prática que pode acontecer, embora raramente, nos Estados Unidos. Durante o ano de 2015, 46 mil clientes foram involuntariamente removidos do seu voo segundo o Departamento de Transportes – retirados do voo se não cederem voluntariamente o seu lugar. As companhias recorrem frequentemente a overbooking, uma vez que partem do princípio que alguns dos passageiros que compraram bilhetes não irão comparecer (aproveito para dizer que esta premissa é, na minha opinião, mais que ridícula. Mesmo que algumas pessoas possam faltar, ocasionalmente, não me creio que seja um número significativamente elevado, quando compramos um bilhete de avião, não o desperdiçamos, até porque normalmente costuma estar associado a outras despesas de viagem).
Em 2016, a United Airlines recusou entrada ou removeu lugar involuntariamente a 3.765 de entre os seus mais de 86 milhões de passageiros. 62.895 passageiros na United aceitaram perder os seus lugares voluntariamente.

Como forma de persuadir passageiros a ceder lugares, a companhia começou por oferecer vouchers de 400 dólares, seguidos de vouchers de 800 dólares. Mais tarde, foi também referido que o valor chegou a oferecer 1.000 dólares.

Pode parecer um valor elevado (mediante o valor do bilhete), mas a verdade é que a legislação americana permite que as companhias aéreas oferecem, nestes casos, até 1.300 dólares (o que não aconteceu).

Perante a falta de voluntários, os funcionários declararam que o avião não partiria sem que saíssem 4 pessoas. Para tal, decidiram selecionar 4 pessoas aleatoriamente. 3 dessas pessoas aceitaram.
A quarta pessoa, o doutor David Dao, recusou-se a abandonar o avião, afirmando ter pacientes a receber no dia seguinte.

Perante a recusa do passageiro em abandonar o avião, os empregados da United afirmaram que iriam chamar a segurança – o que se concretizou. Em vídeos gravados por testemunhas, é possível ver David Dao ao telefone, tentando contactar, alegadamente, o advogado, assim como a interagir com a segurança a dizer, calmamente, que se recusava a sair e, perante a insistência, que só o arrancando/arrastando do lugar.

A situação piorou e deu azo à agressão agora já conhecida por todos.
Toda a situação em si é e foi desagradável.

Um dos seguranças envolvido encontra-se agora de baixa e sob investigação. No entanto, tal não significa que é culpado aos olhos do departamento de polícia.

No entanto, a United Airlines conseguiu piorar a situação, assim como a polícia de Chicago.
Embora a Polícia tenha colocado um dos agentes sob investigação e de baixa, emitiu um comunicado a dizer que o indivíduo “caiu e bateu com a cabeça num apoio de braço”. Bem, se uma pessoa for arrancada do lugar e atirada contra um banco, efetivamente terá caído, só que não por livre iniciativa ou acidente, tal como é possível ver nos vídeos.

Depois temos a muito mal pensada declaração feita pelo CEO da United Airlines, Oscar Munoz, que o evento era perturbador e que lamentava ter tido que “reacomodar os clientes”. Além disso, uma carta que ele enviou aos funcionários, e que foi divulgada aos media, ele recua ligeiramente no “pedido de desculpas”, afirmando estar ao lado dos funcionários e que o passageiro “desafiou os agentes de segurança de Chicago”, elevou a voz e que se tornou mais e mais disruptivo e agressivo, recusando sair do avião.

Toda esta falta de tacto por parte do CEO torna-se mais cómico se acrescentarmos o facto de, semanas antes, o CEO Oscar Munoz ter recebido um prémio de PR por ser o “Melhor Comunicador do Ano”. Não deviam existir mais candidatos….

Tudo isto levou a uma revolta incomensurável nas redes sociais e no público. Apelos de boicote à companhia aérea no Twitter alcançaram o top de trending, com pessoas a inundar as páginas de redes sociais da United Airlines com comentários revoltados, também ganhando peso o número de pessoas a cancelar viagens e a deitar fora cartões de viagem, colocando fotos nas redes sociais.

Outro fator inesperado foi o impacto que este escândalo, e a má reação da empresa, teve foi na China, onde, no Weibo, versão chinesa do Twitter, utilizadores chineses se revoltaram contra a marca, dado o tratamento a um cidadão de origem chinesa, demonstrando comportamento semelhante de cancelamento de viagens e cortar de cartões, o que se revelará negativo para a United, uma vez que a China é um dos seus key markets.

Seguidamente, a reação do público teve um impacto financeiro na empresa. Num só dia, a empresa chegou a desvalorizar 4% (cerca de mil milhões de dólares), tendo conseguido minimizar as perdas e perdendo “apenas” 250 milhões.

Mais tarde, o CEO da United Airlines, em entrevista à ABC, mudou completamente de tom, pedindo publicamente desculpa ao Dr. David Dao, aos passageiros presentes, aos clientes e aos funcionários, admitindo partilhar os sentimentos de revolta demonstrados com o público e que nenhum cliente deve ser assim tratado, prometendo que nunca mais irá um segurança entrar no avião para remover forçosamente um passageiro pagante.

É agora também sabido que a empresa irá compensar todos os passageiros presentes no voo em questão.

No entanto, continuam a existir pessoas a exigir a demissão do CEO, embora Oscar Munoz se recuse.
Dias depois, esta quinta-feira, dia 13 de abril, o advogado do Dr. David Dao e a sua filha vieram a público anunciar as mazelas físicas sofridas pelo passageiro e que este irá processar a companhia, mas também, possivelmente, a própria cidade de Chicago.

A United Airlines já tinha andado nas bocas do mundo em Março quando recusou entrada a duas raparigas que usavam leggings, por considerar que violavam os padrões de vestuário permitidos pela companhia. E, para piorar, dias depois da agressão no voo, um homem foi picado por escorpião a bordo de outro voo da United Airlines.

Toda a situação, partindo de procedimentos provavelmente estabelecidos nas regras da empresa, passando pela própria resposta da empresa à crescente indignação e revolta, mostram a importância que o cliente deve ter para o negócio e como os clientes e comunidades, graças a redes sociais, conseguem agora, na minha opinião, que certas empresas relativamente impunes de atitudes e procedimentos inadequados e inapropriados. É mais que provável que a United Airlines sobreviva a este escândalo, mas não o fará sem mazelas, em termos de valor da empresa e de valor da marca.

Fontes:

2 comentários:

  1. Olá Nuno! Conhece concerteza outro caso da United, o "United Breaks Guitars", uma campanha viral criada nos idos tempos de 2009 pelo músico Dave Carroll? É um case study que já saiu num teste de WMCE ;) A United nunca mais aprende...Aqui o resumo da história:https://www.fastcompany.com/1320152/broken-guitar-has-united-playing-blues-tune-180-million

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  2. Olá, Nuno. Quando este escândalo aconteceu tentei indo acompanhar as noticias pelas redes sociais e pelos jornais. Acho que é indemissível na era que vivemos, que supostamente as empresas têm que ter valores, ajudar a sociedade, tratar os clientes da melhor maneira que estas situações aconteçam. Uma das vantagens das redes sociais é que agora todos podemos agir, não temos que ir até aos EUA demonstrar a revolta com a empresa. Na minha opinião, o CEO deve ser demitido e a empresa deve sofrer uma remodelação de valores internos e externos.

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