sábado, 12 de abril de 2025

Despir o Deserto do Atacama

Atualmente, tudo acontece a um ritmo “fast”: comemos fast-food, as notícias (factuais e nem tanto) correm o Mundo à velocidade da luz, as nossas opiniões mudam com um clique… e até as roupas que vestimos e as tendências que seguimos são cada vez mais rápidas, variadas, e éfemeras. Mas a que custo? Para onde vão aquelas calças da moda nas quais já não temos interesse?

As novas gerações que têm entrado e tomado conta dos mercados nos últimos anos, os Millenials e a Geração Z (aka Millenials com esteróides) são caracterizados pelas suas atitudes disruptivas e contrastantes com as de gerações anteriores, contribuindo para uma verdadeira revolução cultural, social e económica. Habituados a viver num Mundo sem fronteiras, em que o acesso à mais recente tecnologia lhes permite aceder ao que desejam, não aceitam que lhes sejam impostos limites e querem tudo, aqui e agora, vivendo na pele a máxima do YOLO (You Only Live Once), impregnado na sua consciência e nas suas decisões.

No entanto, “não há bela sem senão”, e esta atitude tem grandes impactos no Mundo à nossa volta, nomeadamente a nível ambiental. A busca pela gratificação instântanea e o ritmo desenfreado de experimentar tudo, aliado à facilidade com que se produz e compra roupa nova atualmente, são fatores que levaram ao crescimento exponencial do mercado da fast-fashion, cujas marcas produzem o dobro das roupas que produziam em 2000. Paralelamente, estas roupas compradas impulsivamente tornam-se também quase instântamenamente obsoletas, de tal forma que, nos últimos 15 anos, o número de vezes que uma peça é utilizada diminuiu em 36%, para uma média de apenas 7 a 10 vezes[1].
Esta tendência torna-se preocupante, não só pela quantidade de recursos usados na produção da roupa (a produção de 1kg de algodão consome 20,000 litros de água[2]) mas, também, pela falta de capacidade de fazer uma correta gestão da roupa descartada, com menos de 15% desta a ser corretamente reciclada[3]. Grande parte destes resíduos são levados para aterros em céu aberto em países em desenvolvimento, como para o deserto do Atacama, no Chile, cujo monte de peças de fast-fashion já é visível do espaço e impacta fortemente os ecossistemas locais, libertando químicos perigosos e poluentes para o ar e os cursos de água[4].

Pilha de roupa descartada no deserto do Atacama, Chile

Vista do espaço do aterro de roupa usada no deserto do Atacama, Chile

O e-commerce, querido pelos Millenials e a Geração Z por lhes permitir adquirir roupa e acessórios vindos de todo o Mundo a partir do conforto do seu sofá (“yes we can!”), tem crescido exponencialmente, com o número de compras pela Internet aumentando 14,6% em 2024 face a 2023, e 9,9% em 2023 face a 2022. Este fenómeno contribui, porém, para o aumento do impacto ambiental da fast-fashion, mais especificamente ao nível do embalamento (dado que estas compras produzem, em média, mais 4,8 vezes os resíduos das compras presenciais) e, também, pela facilidade de devolução e prática de “bracketing” (na qual os consumidores compram vários artigos para experimentar e devolvem uma grande parte, aumentando a pegada ambiental desta atividade, devido ao transporte adicional e ao desperdício de recursos)[5].

Impacto da utilização de embalagens e transporte adicional, promovidas pelo e-commerce


Paralelamente a esta sua sede pelo aqui e o agora e pela vida sem limites, os Millenials também acreditam piamente no seu inner-glow, na sua capacidade de tornar o Mundo num lugar melhor, no poder das suas ações e das suas palavras. Erguem bandeiras a favor do ativismo, da não-discriminação, da inclusão e da diversidade, e da proteção ambiental – mas serão estas preocupações compatíveis com as suas características que tanto impulsionam a fast-fashion, o desperdício e a poluição subjacente?

Movimento pela proteção ambiental, encabeçado por Greta Thunberg
Juntar o melhor dos dois Mundos pode parecer impossível, mas, tal como disse Nelson Mandela, “Tudo parece impossível até que seja feito”[6]. E foi precisamente isso que o projeto Atacama RE-Commerce conseguiu provar, juntando a plataforma global do e-commerce às vontades (anteriormente incompatíveis) dos consumidores de comprar roupa de marca e contribuir para um futuro mais sustentável, alterando para sempre o paradigma da fast-fashion.Esta iniciativa inédita e disruptiva, lançada pela VTEX em parceria com a Revolution Brasil e Desierto Vestido, permite que os consumidores adquiram roupas descartadas no deserto do Atacama, no Chile, pagando apenas o valor do envio. Muitas dessas peças, produzidas por grandes marcas, encontram-se em perfeito estado, algumas ainda sem uso. O Atacama RE-Commerce resgata, trata e higieniza as peças, disponibilizando-as no seu website apenas pelo valor do envio.

Imagem promocional do Atacama RE-Commerce

Tendo entrado no ar a 17 de março de 2025, as 300 peças postadas inicialmente foram adquiridas em apenas 5 horas, com pedidos de todo o Mundo, desde o Brasil, à França, Espanha e China[7]. A possibilidade de adquirir calções da Nike ou da Adidas, blusas da Zara ou calças da Calvin Klein[8] a um preço bastante reduzido e com o bónus da gratificação moral aliciam os consumidores das novas gerações, e impulsionam organizações como a Atacama RE-Commerce a continuar o seu trabalho de “slow down” da indústria da moda, contribuindo para a tomada de atitudes mais conscientes e ecológicas.

Website do RE-Commerce, com as peças todas "sold out"

As revoluções trazidas pelas novas tecnologias, alicerçadas nas tendências das novas gerações, têm, muitas vezes, um ar apocalíptico e evocam as expressões de “No meu tempo é que era”, que deixam muitos conformados e sem esperança. Mas, como o projeto Atacama RE-Commerce demonstrou, se olharmos para estes fenómenos do prisma certo, conseguimos descobrir nestas mesmas novas tecnologias soluções para os problemas que elas criam, contribuindo para um Mundo melhor, mais sustentável, e onde o inner-glow de todos pode brilhar vestido de roupas de marca.

1 comentário:

  1. Olá Catarina. Muito boa partilha. Desconhecia a iniciativa. O apelo à economia circular e sustentabilidade é conseguido de forma ativa e impactante. A imagem promocional e imagens reais divulgadas sensibilizam e comunicam de forma clara a missão do projeto e de que forma podemos fazer parte dela. É excelente a escolha que fizeram. A diferenciação assenta perfeitamente nos interesses ambientais e do consumidor: aquisição de produtos de alta qualidade mais baratos com responsabilidade social. Acedi ao website e percebi que a iniciativa está temporariamente suspensa porque estão a tentar reformular o modelo de negócio para gerar receita a favor dos voluntários locais de ONGs. É um desafio assegurar sustentabilidade financeira, impacto social e a manutenção dos valores da organização. Seguramente após esta mudança o plano de marketing necessitará de ajustes para ajudar a marca a comunicar os seus novos objetivos, preservar o público e reforçar os valores fundamentais da organização. Achei incrível como transformaram ao mesmo tempo a comunicação da pausa numa oportunidade de agradecimento, educação ao consumidor e 'easter egg' para o próximo passo da marca!

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